Femicídio é o mais alto grau de violência contra mulher, trata-se do
extermínio feminino que vem ocorrendo durante anos em nossa região. A
taxa de homicídios contra mulheres só tem crescido nos últimos 30 anos
pulando de 2,3 (para cada 100 mil mulheres) para 4,5, de acordo como
Mapa da Violência lançado em 2012, pelo Instituto Sangari.
Apesar
de podermos identificar essa taxa, no que se refere as causas o mapa se
mostra menos preciso, apesar do espaço onde essas mortes vem ocorrendo
em cerca de 40% em sua residência, fazer uma relação com a questão da
violência domestica sofrida pela classe feminina também se faz
necessário, no entanto, no presente artigo queria demonstrar uma relação
que não aparece evidente nos dados apresentados pelo Caderno
Complementar do Mapa de Violência, assim utilizando de alguns casos que
ocorreram na cidade de Manaus em 2013 e que foram noticiados pela mídia
local.
Estudantes, Donas de Casa e Prostitutas.
A
ocupação social de um determinado indivíduo parece ser algo que
referencia sua existência no mundo para uma boa parte das pessoas, não é
sem querer que na construção de algumas reportagens a identificação da
vítima e perpassada pela afirmação de sua ocupação, “estudante”,
“enfermeira”, “industriaria”, “professora”, “prostituta” e “dona de
casa”, são adjetivos que em primeiro momento explicam parcialmente a
condição de existência do indivíduo, mas que retiram a afirmação de ser
mulher, apesar de estar subentendido que são mulheres, ao denotar a
ocupação se é imposto um conjunto de valores a ser analisados no
enunciado.
Ser mulher se torna em segundo plano na
condição de vítima, pois antes disso ela exerce um tipo de profissão que
pode ou não ser positiva pra os valores conservadores de nossa
sociedade. Essa segregação que tem cunho machista acaba por valorizar um
tipo de mulher por sua ocupação em detrimento a outra, mas em todos os
casos retirar que a condição do assassinato se deu por uma questão de
gênero, relevando a um crime passional, de causa econômica e ou por
condições de risco social, mas nunca “apenas” por ser mulher.
Pois
ser mulher é ser colocada em segundo plano, em outro valor, fora da
análise, pois primeiramente se é um produtor e depois ser é produtora,
essa relação estruturada no patriarcado reproduz um discurso
invisbilizante a um fenômeno social intrínseco a nossa sociedade, que é o
fenômeno do femicídio. Isso significa que as mulheres estão sendo
mortas somente pela sua condição de gênero, apenas por ocuparam o objeto
de desejo e satisfação masculina, que pode ser manipulado e descartado,
essa coisificação de mulher se expressa nos motivos torpes de
assassinatos.
Em 15 de Abril dessa ano, uma estudante de
21 anos foi assassinada a facadas, em um quarto de uma estância , no
Jorge Texeira 4, pelo o ex-companheiro que motivado por ciúmes e já em
outro relacionamento, matou a garota com 17 facadas, a estudante havia
convivido por 4 anos, tinha duas filhas. A estudante já havia denunciado
por agressões físicas e estava aguardando uma ação judicial a respeito
da pensão alimentícia das suas filhas.
No dia 22 de
Outubro, um homem de 50 anos atirou na cabeça de sua ex-companheira,
motivado também por ciúmes no bairro Jorge Teixeira, separados por dois
meses o homem passou a ameaçar a vítima, após o crime a o homem atirou
contra a própria cabeça.
Em 06 de Setembro uma mulher teve
as costas retalhadas pelo companheiro durante uma discussão, a vítima
foi acusada de traição pelo agressor, tendo suas costas retalhadas da
região da nunca até a nádegas. Em 24 de Setembro de 2013, mãe e filha
foram assassinadas em sua casa a facadas, ainda por alguém desconhecido,
segundo vizinhos “a mãe saía com vários homens, por isso há uma grande
possibilidade dela ter sido morta por ciúmes de algum parceiro”. Em 07
de Outubro um ex-soldado da polícia militar foi preso por ser suspeito
dos crimes.
Em outro caso que não chegou levou ao
femicídio, mas trata-se de uma tentativa, na quinta feira, dia 18 de
Dezembro, um homem de 24 anos, atirou contra sua companheira e sua
enteada motivado por ciúmes, em uma discussão dentro de casa ele sacou a
arma debaixo do cochão e disparou duas vezes contra a sua companheira e
três vezes em sua enteada, como disparos no rosto, ambas foram
internadas e estão se recuperando.
Em maio dessa ano um
serralheiro ao tentar desarmar a faca da mão de sua companheira “acabou
esfaqueando-a”, em uma discussão por ciúmes.
No domingo 15
de Dezembro, um homem matou “acidentalmente” a companheira com uma faca
na via femoral, em uma discussão dentro de casa, o homem foi preso e
encaminhado a cadeia pública.
Em 17 de Dezembro, um homem mata sua
companheira enforcada por ciúmes motivado por mensagens do aplicativo
whatsapp, depois ele escondeu o corpo em uma cama Box, por três dias
antes de ser encontrado. O homem trabalhava no distrito e era téécnico em
informática, tinha um pouco mais de 26 anos, segundo ele, a mulher tinha
ciúmes dele e começou a se “arrumar e sair” com outro homem, ele conta
que foi agredido pela vítima e foi enforcado pela vítima, ele começou a
fazer a mesma coisa e pensou que ela tinha desmaiado.
Nesses
crimes realizados as mulheres que sofreram a agressão são colocadas em
uma situação de passionalidade, onde o ciúme ocasiona a violência ou a
morte destas, em discussões com companheiros e ou conhecidos. Os
instrumentos da morte em sua maioria são facas e armas de fogo e são
locais como residências ou espaços de convívio da vítima. De acordo com o
mapa da violência 53% de femicídios são por armas de fogo, apesar de
mais homens (75%) morrerem com armas de fogo. O estrangulamento aparece
com 6,2% dos casos, em detrimento a estrangulamentos masculinos que
representam 1%, por morte a objetos cortantes os homens estão em 15,5%
dos casos e as mulheres em 26%.
Esses tipos de crimes são
publicados na mídia como sento passionais, deixando de lado a
possibilidade de uma análise de gênero, na maioria das reportagens acima
citadas, nenhuma delas se quer citou a possibilidade de gênero como
sendo fator relacionado as mortes, a agente da ação apesar de ser
masculino o faz em situações de “calor da emoção” ou “sem querer”,
expor impõe que acidentalmente esse tipo de assassinado ocorrer, mesmo a
uma conotação de injustiça social, permanece a invisibilidade da
questão de uma diferença de gênero que é mantida na relação.
Nesse
sentido, as mulheres estão sendo exterminadas por não estarem dentro de
um padrão de feminilidade, por se “relacionarem com outros homens”,
“por abandonarem seus companheiros” e por “causarem ciúmes”. Essa
existência feminina fora do controle e do ideal masculino que leva os
homens a comentar o crime, mas não são as mulheres que levam os homens a
cometer o crime, mas essas noção de mulher objetificada e a construção
de masculinidade pelo patriarcado que gera essa violência contra a
mulher.
O peso de matar a “progenitora”, “a companheira”,
“a amante”, é na verdade um comportamento produzido no seio de uma
sociedade conservadora, que não permite que a mulher existe fora dos
padrões estabelecidos pelo homem, esse homem que acreditar ter direito e
poder sobre o corpo da mulher, violenta e finda sua vida quando bem
entende e continua “vivendo como se nada tivesse ocorrido”, por se
normatizou que ter ciúmes da mulher é normal.
Ciúmes se tornou
sinônimo de cuidado e atenção, quando na verdade reflete um sentimento
de perca e de possessão, ainda sim não se é questionado a estrutura
desse sentimento pode ser encontrada na normatização de relacionamentos
pautadas em regras heteronormativas e patriarcais, onde o homem detém
sobre si o domínio de tudo e do corpo feminino inclusive.
Os
instrumentos da morte na verdade se encontram no sentido da ação
atribuído, essas mulheres não foram mortos apenas por seus companheiros,
mas todos os homens que querem de alguma forma impor-se sobre a
individualidade feminina, regulamentando as roupas, censurando
comportamentos, impondo tipos de sexualidades em comentários do tipo.
“Mulher
para casar, mulher para ficar” / “Nunca fiquei com uma virgem antes” /
“Mulher minha não fica saindo sozinha” / “Rapaz, mulher tem que ficar em
casa” / “Quem é esse seu amigo no facebook?” / “Fica usando batom
assim, ta querendo o q”
Desde esses comentários até o
assassinato de mulheres as estruturas de produção de violência tem em
sua gênese um núcleo machista e masculino de normatividade de poder, se
caso qualquer tipo de comportamento fugir a essa regra, a mulher se
torna marginal e necessita ser censurada e colocada em seu devido lugar.
Os
números de homicídios de acordo com a Delegacia Especializada de Crimes
contra Mulher da Cidade de Manaus, de janeiro a abril oito mulheres
foram assassinadas em desentendimentos e troca de agressões, isso
reflete que há também uma naturalização do femicídio e que não se é
levado em causa a questão de ser mulher, isso fica evidente em casos de
assassinatos de prostitutas noticiados em jornais da cidade
Em
4 de Outubro de 2012, uma mulher foi enforcada com calcinha em um hotel
da cidade, de acordo com o noticiário o homem saiu do local do crime
apontado uma arma para os empregados. Seis dias depois a noticia foi
reimpressa sob a manchete “Mulher morta com calcinha era garota de
programa”.
No dia 06 de Outubro de 2012, uma mulher foi
encontrada amordaçada e morta em um motel no Centro da Manaus “a mulher
era possivelmente garota de programa e a perícia encontrou vestígios de
cocaína no nariz dela”.
Em 15 de Dezembro de 2012, uma garota de
programa morreu misteriosamente após uma denuncia de roubo, a vítima foi
abordada por policiais e levada para o SPA do São Raimundo “sob
suspeita de orverdose”, após o falecimento o médico de plantão pediu
novos exames, pois havia indícios de estrangulamento. No dia 13 de
Dezembro de 2013, uma garota de programa foi assassinada no Vieralves,
como disparos de arma de fogo, o principal suspeito é o ex-companheiro
que queria que ela retiar-se a queixa de agressão que a vitima havia
feito contra ele.
Deve-se notar que nas reportagens o fato
da mulher ser “garota de programa” se torna parte essencial para a
chamada da matéria e para situar a personagem, pode-se compreender em
primeiro momento que o crime foi ocasionado pelas atividades exercida
pelas mulheres, no entanto, nesses três casos a relação de gênero é
latente, onde uma relação de poder sobre o corpo é pautada, pela
profissão ser considerada marginalizada, pouco se fala sobre as
condições de trabalho exercidas pelas profissionais do sexo.
Ao
não se debater isso coloca-se representação da atividade na frente do
fato de ser mulher, no caso do ex-companheiro que assassinou a mulher no
Vieralves, trata-se da mais outra expressão de domínio, ou da mulher
enforcada com a calcinha, em que seu companheiro ao descobrir o fato de
ser “garota de programa” . Na mulher encontrada amordaçada no motel, a
questão de uso de drogas se correlaciona com sua atividade, como um
mecanismo de marginalizar o sujeito, mesmo que esse comportamento não
sejam conscientemente produzidos, trata-se de um mecanismo de
desvalorização do crime cometido contra mulheres.
E em
nenhuma das reportagens a possibilidade do femicídio são citadas, nem
mesmo que existam questões de gênero subjacente a situação, pois esse
debate não possui valor dentro do campo do consumo de produção de
notícia, consequentemente falar sobre o um assunto chato que é a morte
de mulheres não vende jornal e nem faz notícia.
A relação
entre a atividade das mulheres e sua identidade não é se apresentam como
mecanismo de construção feminina, mas apenas como mecanismos descritivo
para situar a ação masculina, na tentativa de um discurso de
neutralidade nas reportagens, passam a tender para uma produção
discursiva masculinizada, afastada de um posicionamento político.
Os
homicídios divulgados são colocados como causas banalizantes, sem
expressar a menor possibilidade de uma leitura mais profunda de
violência de gênero, ou doméstica ou qualquer relação com femicídio. O
que demonstra uma necessidade de ampliar o debate a respeito do
entendimento desse tipo de fenômeno social, onde a mulher é o objeto de
violação social e violência, que leva a morte.
Fontes
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